terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Manhã da Sua Infância

Se eu pudesse lhe dar um conselho, diria: aproveite a manhã da sua infância!

Os dias são leves e todas as cores estão lá. A luz é intensa e a noite só um pretexto para o sono arrebatador, de quem não precisa pensar em absolutamente nada depois do dia acabar, tão pouco gastar um segundo no ingrato exercício diário de prever o improvável antes do próximo dia começar.

Sua bicicleta é capaz de leva-lo a todas as esquinas do mundo e nenhum lugar é melhor do que o que você está ocupando naquele exato momento, independentemente da sua consciência sobre esses e tantos outros fatos tão importantemente irrelevantes que você se obrigará a pensar ao longo da vida.

O rocambole de doce de leite da sua mãe é a melhor iguaria do mundo, sua fantasia de Batman o traje mais adequado e tudo que você imagina sobre si mesmo é tão real que, sinceramente, não é possível que alguém ainda não tenha enxergado isso!!!

Nenhuma mulher é capaz de lhe fazer sofrer por mais de alguns instantes, época em que a dor termina com o início de uma nova brincadeira e o tempo que passa tão rápido para todos não consegue convencê-lo de que passa na mesma velocidade para você.

Quando as pessoas lhe encontram querem simplesmente lhe beijar, cheirar, abraçar, sincera e demoradamente, dizer o que sentem e todas aquelas coisas que a formal irrealidade de nossas vidas extraordinariamente comuns não nos permitem porque nos falta tanto tempo, nos sobra tamanho acanhamento, que pateticamente nos acostumamos com esse destemperado equilíbrio da maturidade, o qual no auge de uma medíocre existência, acredite, você renunciará sem qualquer relutância.

Guarde com carinho todos os cheiros de chuva nos dias quentes, bolos de fubá saídos do forno, as mangas colhidas nos quintais alheios, a cama da mãe sempre pronta, o singelo almoço de domingo, o pão com açúcar na casa da sua avó, todas as musicas que couberem na memória, as palavras inventadas e qualquer suvenir mental que a vida distraidamente lhe oferecer. Essas coisas serão o atalho mais rápido para o reencontro da felicidade suprema que você buscará em tantas coisas mais complicadas que será uma grata surpresa descobrir que elas sempre estiveram lá.

Por fim, se pudesse lhe dar uma conselho, diria: se um dia essas coisas de tão vividas ficarem muito distantes, se a alegria perder a intensidade de todas as manhãs e tudo ficar tão normal para você, a ponto de achar que a vida é o roteiro já escrito, sem final feliz, um jogo de cartas marcadas onde você sempre perde, eu lhe desejo um filho.

Um filho capaz de lhe surpreender nas coisas mais óbvias. Alguém que simplesmente ao levar as mãozinhas na boca lhe transtorne em ternura indizível, ao mexer as perninhas displicentemente lhe traga espanto de um milagre contínuo e que tão somente por existir resignifique a sua existência, a ponto de todas as sensações vividas na sua infância retornarem não como lembranças, mas, como experiências catárticas de um ser, num desesperado e lento processo de busca pelo alumbramento da manhã da sua infância.

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