sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Vai ver meu velho!

“Quando puder, vai ver meu velho”
ouvi de um amigo em meia voz, meio sério,
como que tentando esconder a intensidade que esse apelo carregava.

Sem conseguir discernir o que aquele momento significava,
sorria por fora, enquanto um gole gelado descia entre os nós da garganta,
numa daquelas tardes quentes que antecedem o verão.

Não sei se constrangido pela culpa ou se culpado pelo constrangimento,
resolvi visitá-lo na semana seguinte, quando para casa voltava.
Atravessei os arcos da velha, que a modernizada cidade ostentava
e cheguei a um sobrado mal acabado,
com a sensação de que alguma coisa lhe faltava.

Via mofo nas paredes descascadas
e julguei que talvez o velho precisasse de dinheiro
ou quem sabe de um remédio,
mas por certo de algum mal sofria,
pelo menos um entre os tantos males que a idade reservava.

Um bom homem, como eu, poderia se tornar ainda melhor
gastando solidariedade para quem em agonia,
numa noite vazia padecia e esperava,
Quem sabe se essa noite terminaria?

Subi as escuras escadas preparando meus olhos para mais densas trevas,
e o seco e breve convite do meu amigo
me pareceu por um instante a resultante indesejada do silêncio relutante,
incapaz de confessar as dores que aquele velho suportava.

De repente, tudo em mim foi silenciado
por um som intenso que pulsava!
Batidas fortes que contavam uma história,
ainda sem cenários, personagens ou fatos,
deixando em mim somente a consciência
que aquilo fazia um sentido absurdo em si mesmo,
e mesmo que sem nenhum sentido,
aquele absurdo começava a ser sentido em mim.

Na sala um velho de saia e tênis, com cara de moleque,
jogava a cabeça para trás, rindo gostosamente,
enquanto por todos os poros exalava sons coloridos e cheios de tons,
envolvendo as pessoas que no ambiente estavam.
Tudo despretensiosamente...

Num instante o velho se tornou o cara mais legal do mundo,
sem nunca abrir a boca para falar de si mesmo.
Assim como eu conto do meu amigo
e meu amigo do seu velho,
o velho só contava histórias de um grande cara,
que eu conhecia, mas não daquele jeito.

Dizia que ele estava no sol, no mar e no vento,
no nascer de uma flor na fenda de um rochedo,
fazia voar aos que nem sequer andavam,
fotografava o que não se pode ver
e andava simplesmente, com a gente
como se alguém assim, pudesse, simplesmente, andar.
Um sujeito de quem apenas se gosta
e, aliás, alguém que vale a pena se gostar,
mesmo que não se conte, mesmo que se esqueça de falar.

Peguei minha bicicleta com rodas de carro
e tentei fugir do meu castelo de areia,
sei lá, pro Japão ou Jeribá.
Ri de mim, rei de mim que não sabia onde estava,
caí num precipício de graça,
lugar profundo de onde ninguém se salva,
desde que a salvação foi morar lá.

Eu é que precisava ver o velho.
Enxergar o amigo pelos seus olhos.
Mesmo que só por uma noite.
Ou a cada instante que essa noite eu remontar.

Aos meus “Velhos” amigos Rômulo, Raphael, Bruno, Max, Falcão e desde já, Marcela!



Numa sexta-feira, no Outback, meu amigo Max me chamou para assistir sua banda, “Velho Irlandês” num lugar chamado Mofo, na Lapa.

Vi e fiquei impressionado.


Marcelo Bispo